
Há uns tempos, comentava com a minha avó que só refletimos sobre as estações em duas fases da vida distintas: na escola, com as suas longas composições quase tão intermináveis quanto as férias, e quando já somos muito mais velhos, onde o acompanhar de cada estação tem um sabor secreto a vitória. O resto deste intervalo está demasiado distraído a vivê-lo.
Mas penso sempre no verão quando me perguntam o que vou fazer dele.
Há um tipo de manhãs que só o verão conhece. Chegam antes das sete, o ar morno, e dizem que sim a tudo: ao improviso, à pausa, ao passo que se dá sem rumo e num andar que se faz mais devagar, como se o dia me pedisse para não o gastar todo de uma vez.
As janelas ficam abertas, as cortinas dançam uma valsa discreta e a casa respira um ar novo. Se olhar para lá do parapeito, tudo parece cheio, verde, vivo.


Desconfio que o verão preserva uma parte da nossa infância e talvez esteja aí o verdadeiro encanto de viver a estação. Uma temporada onde os dias eram inteiros, espreguiçavam-se para lá da hora do jantar, onde os livros eram lidos de um só fôlego na cama. Os horários desmanchavam-se como castelos de areia: jantar à hora habitual de dormir, dormir além das horas em que costumava acordar, despertar com os sons do mundo e não de um despertador.
Desses verões infinitos e deliciosos da infância, levo as sardas na cara, o cabelo enriçado de mar e sal, o contar dos dias para a feira e o lamber dos dedos depois de uma fartura quente. A alegria à espreita nas jardineiras de ganga, nas sandálias de borracha e nos iogurtes sólidos com aromas. Um tempo onde o verão não vinha carregado de planos, apenas de possibilidades.
É a esse lugar que regresso, cada vez mais, como um mapa que me transporta para a liberdade de escolher o verão que quero viver, sem me sentir obrigada a correr atrás de uma versão perfeita dele. Não preciso que seja extraordinário, impulsivo, bronzeado, preenchido por copos, casamentos, viagens ou beijos de catálogo. Gosto da sensação de que pode ser feito do que quisermos, sem precisar planear na noite anterior. Há um compasso sem horário, um andamento que consigo acompanhar, onde quebro as regras que inventei ao longo do ano.
O meu verão preferido é feito de manhãs de escrita, de mergulhos, de livros lidos com tempo e em convivência com as personagens. De caminhadas simples, movidas pela curiosidade e pela conversa. De adormecer ao som da água do lago e de tomar banho depois da praia e antes do jantar. Assistir filmes até tarde, memorizar passagens de certos capítulos e letras de canções. Baloiçar na cama de rede com um pé de fora. Criar memórias com amigos em vez de contá-las num almoço de reencontro. Ir a um concerto há muito esperado e usar glitter. Sentir que ainda há tanto dia que pode acontecer depois das 17h. Passear depois do jantar com um gelado na mão e a mão dele na outra.
Um verão que desperta os sentidos e onde o verbo de ordem é lambuzar. Lam-bu-zar. Com gelados, burrata, compotas, ameijoas à bulhão pato, esparguete que toca no queixo, limão espremido, pão que molhamos na travessa com a ponta dos dedos. Lambemo-los a seguir, sem vergonha nenhuma.



Sentir a terra da horta entre os dedos, perceber como cada planta cresce em silêncio, sem testemunhas. Cheirar o mar antes de o ver ondular em mil tons de azul. Só dou conta que o mundo está sempre em movimento quando estou parada a observá-lo.



Há pormenores que voltam como se nunca tivessem partido. Os piqueniques com bolo caseiro e bebidas no termo. Os nós, tantos nós…! Nós no biquíni, no top, no cabelo, nas relações. Os passeios que se fazem pela cidade só porque o dia assim o pede e o talão da bebida ordena que é ‘para levar’. A brisa na nuca quando apanhamos o cabelo e o cheiro do protetor solar como perfume de serviço. O gingham nas roupas e toalhas a tecer um padrão de memórias doces. As pulseiras coloridas, as andorinhas em valsa nos telhados terracota e as noites estreladas. A excitação da contagem decrescente para as férias ou para um lugar qualquer.
O verão pode ser a rebeldia de o querer simples. De não exigir nada além da sua existência. Uma perceção de abundância que está nas sensações e não nos planos, no tempo que estica e nos faz sentir que é sempre mais cedo do que pensamos.
É aí, nesse tempo sem fim, que tudo pode caber. Cabe andar descalça, ver as mesas postas al fresco nas varandas, esplanadas e pátios, com as pontas das toalhas a esvoaçar. Cabem rugas de riso e sol, as cores das roupas leves e dos cabelos mais claros. Cabem elogios sem filtro, a lúcia-lima e o manjericão que se cheiram de olhos fechados. Cabe tudo, como um álbum de memórias em que consigo compor como se fossem fotografias.



Se encostar o verão ao ouvido, ouço todos os seus sons: de brindes com copos frescos, talheres nas varandas, risos de criança ao longe nos jardins, rebentação das ondas, pássaros de manhã, palhinhas a mover o gelo, chinelos e sandálias nas gravilhas. As músicas que guardamos para as viagens de carro ou para as idas à praia.
A beleza está nessa espontaneidade. Nos dias que não precisam de agenda, e onde a pergunta “onde queres ir?” pode ter qualquer resposta. A melhor parte, talvez, seja não saber o que responder. Sentir que o tempo me pertence, que não há pressa, que a luz dura mais do que devia.

O verão, quando é leve, sabe ser vasto. Quando é simples, sabe ser nosso. Quando olhamos ao espelho desprovidos de expectativas, o verão pode ser simplesmente uma imagem, sem reflexo de nada.
Pode ser apenas o pôr-do-sol num tom bem vermelho, mensageiro de que o dia de amanhã vai ser, outra vez, quente e iluminado.
E deitar-me com essa certeza, sem precisar de mais nada para o viver amanhã.
Amei!! Muito lindo 🥹😍
Fiquei com lágrimas nos olhos. Tem sido uma temporada bastante emocionante, sinto tudo à flor da pele. Não posso dizer que este esteja a ser o verão que imaginei - ainda que com muitas coisas boas a acontecer -, mas ler a tua visão do verão acalmou-me um pouco. Além deste, há muitos mais por vir.
"Quando é simples, sabe ser nosso." - sobretudo quando paramos para respirar e apreciar os detalhes bonitos que nos rodeiam. 🍃 Mal posso esperar por agosto!